Privatização no ensino público
Por Guilherme Rodrigues
Há anos escuto uma discussão sobre a privatização do ensino superior público no estado de São Paulo e no Brasil. O jornal Folha de S. Paulo publicou hoje um texto a favor da privatização, em que introduz seu grande argumento com: “Seis de cada dez alunos da graduação da USP têm condição econômica para pagar mensalidade”.
O texto nos leva a crer em um possível aumento da arrecadação da universidade em quase R$ 2 Bi , se levada em conta a cobrança, em cursos de graduação e pós-graduação, de mensalidade próxima a R$2.600,00 (valor da PUC-RJ).
Mas como funciona a “arrecadação” das universidades públicas do estado de São Paulo? A principal fonte é o repasse de 5% do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços: que hoje é mais ou menos 9,5%) e esse valor não pode ser determinado como “arrecadação”, afinal, diferente de todas as universidade privadas, as universidades públicas são instituições sem fins lucrativos.
Assim, o dim-dim da universidade pública é por um imposto que incide sobre:
1 – o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e coisas do tipo;
2 – prestações de serviços de transporte de qualquer natureza (como ônibus, táxi, pedágio);
e mais outros seis casos de serviços. Ou seja, um imposto que todo mundo paga.
Além do mais, estas universidades prestam serviços de pesquisa para a comunidade em geral, e, por isso, o que chamam de arrecadação deve receber outro nome, como “fomento” (ou ajuda). A universidade pública de alto nível (ao contrário do pensamento geral) não serve para lotar o mercado de trabalho com mais trabalhadores, mas sim criar pensadores para mudar o mercado.
Vamos lembrar também que há um tempo, seguindo o movimento do governo federal, o governo estadual aumentou as universidades públicas (novos campi, mais vagas, mais cursos), mas o repasse do ICMS aumentou pouco. Fora isso, não contrataram novos professores ou funcionários, nem fizeram novas salas ou estacionamentos. O trabalho do professor universitário aumentou (por causa do inchaço), mas aconteceu pouco ou nenhum aumento de salários, contratações e infraestruturas.
Dessa forma, o argumento proposto pela Folha é o mesmo que: “parte da população pode pagar convênios médicos (como UNIMED)”; “parte da população pode pagar ensino básico particular”; “parte da população pode comprar carro particular e pagar pedágios”; logo o poder público não precisa oferecer o serviço? Ou pode se dar o direito de oferecer um serviço de baixa qualidade apenas para os mais carentes?
O ensino superior público deve ser um espaço de democratização, em que o pobre vive junto com o rico em condições iguais, um espaço que deveria ser como em todo o lugar no país. A nossa universidade pública é talvez a última resposta positiva e orgulhosa do “para que eu pago imposto?”; é preciso defendê-la junto com a possibilidade de ingresso por qualquer pessoa em um ensino de alta qualidade que não é particular.
Guilherme Rodrigues é pesquisador na área de literatura pela USP, professor de língua portuguesa na região de Campinas e escritor.
Mais Embaixo
Por Gustavo Cux
Como apresentado e discutido pelo Guilherme Rodrigues, a Folha publicou uma matéria revelando o que não é segredo para ninguém: boa parte dos alunos da USP teria condição de pagar mensalidades equivalentes a faculdades de ponta.
Digo que não é segredo não apenas com base na minha vivência na Universidade de São Paulo, mas também pela análise de todo o cenário que dialoga com o ensino superior público do Brasil: são programas de cotas, instituições de apoio, linhas de crédito, bolsas de estudos e diversas outras medidas que demonstram uma desigualdade no perfil do estudante destas instituições.
O que se percebe com base nestas políticas é que o problema está, na realidade, no período anterior ao ensino superior. Diversas estatísticas demonstram que estudantes da rede pública terminam o ensino médio menos preparados para as provas de vestibular que aqueles que cursaram escolas particulares. Por este motivo, é lógico que estarão mais aptos a ingressar nos cursos mais concorridos os que já foram anteriormente beneficiados por uma condição econômica melhor. Daí a justificativa na proporção apresentada pela Folha.
Assim, os motivos que deram ensejo à discussão das mensalidades da universidade pública são frutos, na verdade, das desigualdades no ensino básico. Dessa forma, seria correto sacrificar a gratuidade do ensino superior público por conta de um problema que vem anteriormente? O Mais eficiente seria reduzir a desigualdade na universidade a partir do investimento nos ensinos fundamental e médio.
Porém esta é uma solução reducionista. Não é possível aplica-la da noite para o dia. Mesmo que fossem iniciados investimentos hoje no ensino básico, a diminuição da desigualdade só apareceria em alguns anos de modo que, neste período, as medidas assistenciais mencionadas acima precisariam ainda ser mantidas.
Mas e quanto ao grave problema orçamentário da USP?
Como explicado pelo Guilherme, a USP possui como principal fonte de capital uma parcela do ICMS, imposto pago por todos. Considerando isso, dado que a manutenção da universidade já é bancada por todos, seria correto taxar mais ainda o estudante só porque ele pode pagar? Acredito que não.
Portanto, mais importante que os dados óbvios que foram divulgados, é a informação trazida pelo Guilherme: há anos os gastos da USP aumentam sem que se alterasse sua fonte de capital. Assim, antes de se repassar aos estudantes o custo (já pago) da universidade, deveria haver uma revisão da política de repasse ás universidades públicas do Brasil. Isso se chama investimento em educação.
Gustavo Cux é criador e editor do Clip13. Se pudesse, iria de Crocs e camiseta do Star Wars pro escritório. Escreve a coluna “Do Forno” quando está afim.
Acho que quem fez o artigo da Folha não passou na USP hahah Eu também não.
Brincadeiras a parte, acho um absurdo eles colocarem essa idéia de colocar mensalidade na faculdade publica e isentar o governo dos problemas que ele mesmo causou e está causando.